A IA não vai roubar o seu emprego, vai apenas despromovê-lo a assistente dela. A não ser que...
A IA não vai roubar o seu emprego, vai apenas despromovê-lo a assistente dela. A não ser que...
Deixe-me adivinhar. Você passou os últimos anos a tornar-se fluente em JavaScript, a dominar os segredos do React e a decorar algoritmos para passar em entrevistas. E fê-lo bem. Mas a terra debaixo dos seus pés está a mover-se.
Uma nova geração de ferramentas, alimentada por modelos de linguagem generativa, chegou. E elas são assustadoramente boas na única coisa que definia o seu trabalho: escrever código.
O GitHub Copilot sugere funções inteiras antes de você terminar de as pensar. O ChatGPT gera um endpoint de API a partir de uma única frase. A velocidade a que se pode ir do "nada" ao "código funcional" foi multiplicada por dez.
A reação instintiva é o medo. "A IA vai roubar o meu emprego."
Relaxe. A IA não vai roubar o seu emprego. Vai fazer algo muito mais subtil e, para alguns, muito mais perigoso: vai comoditizar a sua habilidade principal, rebaixando o valor do "programador digitador de código" e elevando estratosfericamente o valor de um tipo diferente de profissional: o Arquiteto de Sistemas.
A Grande Inversão de Valor na Engenharia de Software
Durante décadas, a carreira de um programador foi definida por uma progressão linear de competência em codificação. O júnior escreve componentes simples. O pleno escreve sistemas mais complexos. O sénior escreve sistemas complexos de forma mais rápida e com menos bugs. O valor estava, em grande parte, na eficiência da escrita.
A IA pulverizou esta hierarquia.
Tarefas que antes levavam horas a um júnior — criar um CRUD, configurar um formulário, escrever testes unitários repetitivos — agora levam segundos. O valor do trabalho puramente operacional está a cair a pique para perto de zero.
O que é que a IA não consegue fazer?
- Ela não consegue sentar-se com um gestor de produto e traduzir uma necessidade de negócio vaga em requisitos técnicos claros.
- Ela não consegue olhar para um sistema e decidir o trade-off entre a consistência forte de um PostgreSQL e a escalabilidade horizontal de um DynamoDB.
- Ela não consegue projetar uma estratégia de versionamento de API que permita que uma empresa evolua o seu produto durante cinco anos sem quebrar as integrações dos seus parceiros.
- Ela não consegue assumir a responsabilidade quando uma falha de segurança gerada por ela resulta na perda de dados de clientes.
Em suma, a IA é uma produtora de código fenomenal. Mas é uma péssima engenheira.
É esta a grande inversão. O futuro não pertence a quem escreve o código mais rápido. Pertence a quem sabe o que pedir à IA para escrever, como validar o resultado e, mais importante, como integrar esse resultado num sistema coerente, seguro e escalável.
O valor está a deslocar-se da execução para a estratégia. Da codificação para a arquitetura.
Você está a construir a sua carreira sobre Areia ou sobre Rocha?
Pense na forma como a maioria das pessoas aprende a programar. Começam com HTML, CSS e JavaScript. Passam meses a aprender a sintaxe de uma framework. É um modelo de aprendizagem de "fora para dentro", focado na camada de apresentação.
Isto é construir uma carreira sobre areia. Estas são as camadas que mais rapidamente mudam e que a IA está a automatizar de forma mais agressiva.
A abordagem do arquiteto é a oposta. É de "dentro para fora". Começa com as fundações que nunca mudam:
- Como é que a Internet realmente funciona? O que é a jornada de uma requisição desde o browser até ao servidor e de volta? O que é o DNS, o TCP, o TLS?
- Qual é a linguagem universal da Web? Como é que o HTTP, com os seus métodos, headers e códigos de status, forma um contrato que permite a comunicação global?
- Como é que se constroem sistemas seguros e resilientes? O que são CORS, CSRF, Rate Limiting? Como é que se projeta para a alta disponibilidade?
Quando você domina estas fundações, acontece uma coisa mágica. A framework da moda deixa de ser um universo misterioso a ser memorizado; torna-se apenas uma ferramenta, uma implementação específica dos princípios que você já entende profundamente.
E a IA? A IA deixa de ser uma ameaça e torna-se a melhor assistente que você alguma vez teve. Você deixa de lhe fazer perguntas de júnior ("Como se faz um loop em Python?") e passa a dar-lhe ordens de arquiteto:
"Gera-me três propostas de arquitetura para um sistema de notificações em tempo real, uma usando WebSockets, uma usando Server-Sent Events e outra com Long Polling. Para cada uma, analisa os trade-offs em termos de escalabilidade, complexidade e latência."
Este é o novo jogo. A IA está a criar uma bifurcação na carreira de todos os programadores.
- De um lado, estão os operadores de IA, que se tornam dependentes da ferramenta para produzir código que não compreendem totalmente. O seu valor é limitado e a sua progressão de carreira estagna.
- Do outro, estão os arquitetos de sistemas, que usam a IA como uma alavanca para amplificar o seu próprio conhecimento profundo. Eles focam-se nas decisões, nos trade-offs e no design do sistema como um todo. O seu valor está a explodir.
A pergunta que você tem de se fazer é: em que lado desta bifurcação quer estar?
A escolha é sua. Mas não se engane, a maré está a subir. Continuar a focar-se apenas em como escrever o código é aprender a polir os detalhes de um navio que a indústria já está a substituir por um foguetão.
É hora de começar a pensar em sistemas. É hora de começar a pensar como um arquiteto.